(Imagem:
Caos Planejado/Reprodução)
Mesmo longe de ser o principal
problema das cidades brasileiras, a discussão sobre a substituição da fiação
aérea pela subterrânea é possível e necessária.
Cerca de 14% da população de Porto Alegre, quase 200 mil pessoas, moram em favelas, os chamados “aglomerados subnormais” do IBGE. Estas pessoas normalmente não têm assegurado seu direito de propriedade, não têm acesso a serviços e utilidades públicas básicas como saneamento, redes de drenagem ou iluminação pública. Em torno de 4 mil pessoas vivem em situação de rua.
O sistema de
transporte coletivo da cidade, que chega a transportar mais de 20 milhões de
passageiros por mês, enfrenta a pior crise da sua história, com operações
insustentáveis. Nossos espaços públicos
são tomados por automóveis, cujos motoristas usufruem do privilégio de estacionar
gratuitamente nas vias. Os contêineres de lixo, que deveriam receber apenas
resíduos orgânicos e rejeito, recebem de tudo, inviabilizando a coleta
adequada na cidade.
Sempre
surpreende, assim, a prioridade dada pela população para enterrar a fiação aérea da cidade, cujo custo aproximado é de
altíssimos R$10 milhões por quilômetro. Há a justificativa de se
implementar um sistema mais seguro e que possa aguentar melhor tempestades que
rotineiramente levam a quedas de luz. No entanto, é inegável que a motivação
social e política por trás deste investimento é puramente estética: fios são feios.
Portoalegrenses
não são exceção. São Paulo também conta com o “Programa SP Sem Fio”, que
promete enterrar 52 quilômetros de fios
na região central da cidade. O projeto foi lançado inicialmente pelo nome
de “Cidade Linda Redes Aéreas”, remetendo ao slogan da sua campanha.
Tóquio é uma das grandes cidades de países
desenvolvidos com uma das melhores performances
urbanas do mundo. Tem
ampla acessibilidade à moradia e sistemas de transporte, possui drenagem e
coleta de lixo invejáveis, que funcionam bem mesmo com uma população de 14
milhões de pessoas e quase 40 milhões na sua região metropolitana.
Apesar
disso, apenas 7% das ruas de Tóquio
possuem postes de luz enterrados, não muito diferente da situação atual de
São Paulo. Apenas hoje, depois de conquistarem uma posição de referência na sua
gestão urbana, tratam os fios como prioridade, uma forma de diminuir riscos de cabeamentos sendo
derrubados em tufões.
Fiação em
Tóquio: apenas 7% das ruas possuem fios enterrados. (Imagem:
ykanazawa1999/Flickr - Caos PlanejadoReprodução)
De qualquer forma, é possível e necessário discutir caminhos para a implantação desta política dada esta reivindicação tão frequente de boa parte da população.
Segundo
texto recente do colunista Paulo Germano no jornal Zero Hora, a CEEE, companhia
estadual que é dona dos postes de luz e responsável pela sua manutenção, recebe
um valor mensal das demais empresas que utilizam os postes para
seu cabeamento. A
matéria relata que, em agosto de 2018, 76 companhias pagavam R$ 2,6 milhões por
mês para usar a rede aérea. Esta demanda de uso com receita significativa
indica uma possível solução econômica
para o enterramento. Além disso, dado que um dos principais papéis da
Prefeitura é gerir o seu espaço público, faria sentido, assim, uma coordenação
deste processo pela própria Prefeitura.
No entanto,
atualmente prefeituras enfrentam barreiras
legais para este formato de gestão urbana. Em artigo do site Convergência
Digital, que cobriu o evento Fiber Connect LATAM 2019, o Secretário Municipal
de Serviço e Obras de São Paulo, Vitor Levy Castex Aly, relata que a Prefeitura
não tem ingerência nas galerias e valas técnicas da cidade, impossibilitando, assim, a criação de uma
vala de fiação comum que pudesse ser gerida pela Prefeitura, que poderia
cobrar taxas mensais de manutenção de diferentes usuários. O artigo segue:
“Ele reclamou que a prefeitura não
tem poder para legislar sobre o uso do subsolo e poder para fazer atuação, para
penalizar as empresas. ‘Não temos poder de forçar de forma mais incisiva a
transformação da cidade. Estamos trabalhando em Brasília para que este poder decisório venha para o município’, disse na
palestra. Questionado por jornalistas, o secretário disse que ainda não tem
nenhum projeto elaborado, somente conversas iniciais.
‘As empresas decidem. A Eletropaulo
tem uma liminar e poder sobre o uso do solo que a gente não tem quase que
autonomia nenhum’, disse. ‘Por que não poderíamos entregar a vala seca para
eles colocarem o equipamento’, questionou.”
Fica
evidente que, assim como no caso de Porto Alegre, as empresas de energia possuem mais ingerência sobre o uso desta
infraestrutura do que o próprio município, talvez um resquício de um tempo
onde apenas energia elétrica passava por estes postes — antes das redes de
televisão, internet e fibra ótica. O caso ilustra como, mesmo em casos de
concessão, como o das redes elétricas, é preciso ter em vista qual o poder de
ingerência do município sobre o seu próprio espaço público, evitando casos como
o engessamento do espaço viário na concessão da Zona Azul paulistana.
Com o poder
municipal de gestão do seu subsolo devidamente estabelecido, os custos
altíssimos de implementação ainda seriam uma barreira para muitos municípios.
Neste caso, uma alternativa seria até mesmo uma Parceria Público-Privada (PPP) para implementar uma infraestrutura
comum que seria paga pelas companhias usuárias, com um projeto de transferência
gradual dos fios aéreos para esta galeria ao longo do tempo. Através de um
investimento inicial do setor privado, com contrapartidas à Prefeitura, a
Prefeitura deveria seguir com o poder final sobre as galerias, podendo seguir
fazendo sua própria manutenção e arrecadação de recursos após o término do
contrato da PPP.
Este tipo de
solução traria menos esforço dos cofres públicos municipais, que hoje enfrentam
crises fiscais graves, talvez
antecipando a implementação de um sonho que, para muitos, parece distante.
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