A Arquitetura e o Hospital do Futuro



A Arquitetura e o Hospital do Futuro

Confira abaixo o artigo completo da M. SC. Elza Maria Alves Costeira, "A Arquitetura e o Hospital do Futuro":



Resumo

Neste artigo apresentamos algumas reflexões e resultados das pesquisas desenvolvidas pelo grupo Espaço Saúde PROARQ-FAU-UFRJ, na área de estabelecimentos assistenciais de saúde. A partir da proposta de promoção da saúde, que estabelece e determina uma nova abordagem nos projetos arquitetônicos para estes ambientes, são apontados alguns critérios para a conceituação e o desenho destas instituições. O principal conceito do Hospital do Futuro pretende estabelecer o foco centrado no paciente e a humanização dos espaços como premissas básicas para a sua concepção.

 

Abstract

In this article we are presenting some reflexions and results from the researchs developed by the Espaço Saúde PROARQ-FAU-UFRJ research group, in the fields of health care establishments. From the promotion of health proposal, that establishes a new approach for the design of these spaces, some new directions are pointed for concepts and design for these institutions. The more important concept for The Hospital of the Future intends to establish ‘patient focused care’ and humanized spaces as basic elements for its concept.


 

IntroduçÃo

 

            Quando empreendemos a pesquisa a respeito do surgimento do hospital, nos deparamos com a questão de sua arquitetura pontuando a preocupação com a administração de cuidados, aos que necessitam de assistência, desde os mais remotos tempos da História. A partir do artigo de Antunes (1989), que preconiza o surgimento da “geografia hospitalar” como uma nova disciplina, que enfoca o estudo das instituições de atenção à doença, observamos a preocupação com a implantação e a formatação destes espaços, no sentido de proporcionar adequada ambientação para as atividades desenvolvidas na prestação de cuidados à saúde.

 

Muito antes que a medicina, a arquitetura foi a primeira arte a ocupar-se do hospital. A ideia de que o doente necessita de cuidados e abrigo é anterior à possibilidade de lhe dispensar tratamento médico. E todas as cidades, em todas as épocas, mobilizaram-se para prover esta necessidade. Templos, conventos e mosteiros foram as primeiras instituições a recolher doentes e providenciar-lhes atenções especiais, como no culto a Asclépio na Grécia Antiga. (ANTUNES, 1989, p. 227/228).

   

O hospital, enquanto equipamento social especializado, tem em sua estrutura espacial um sentido de impessoalidade, pois os usuários não podem marcar e personalizar o espaço que utilizam, de forma objetiva. A forma já está estabelecida, não havendo oportunidade para redimensioná-la. No tocante ao universo subjetivo, percebemos o acúmulo de registros que o espaço guarda. Este é um reservatório da dor, sofrimento, dúvidas, angústias e, também, de esperanças e desejo de viver. O sujeito marca e personaliza o espaço do hospital de forma subjetiva, tendo a memória do lugar alicerce na vertente Eros – a vida, a esperança e a cura; e na vertente Tanatos – a morte, a dor e o fim. O hospital se situa em um permanente estado de transformação humana e de transição para dimensões, algumas vezes, desconhecidas (COSTA, ENSP- FIOCRUZ).


  

A HUMANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DE ATENÇAO À SAÚDE

 

            O planejamento dos hospitais precisa estabelecer, ao lado da adequação funcionalista de seus espaços e fluxos, dados de luz, cor, textura, conforto acústico e climático, incorporando também um senso estético que remeta a reminiscências de acolhimento, segurança e conforto psicológico.


                           

            A princípio, estes novos conceitos, podem ser considerados apenas como um incremento na qualidade do atendimento à saúde, o que efetivamente se procura, nestes tempos de qualidade total. No entanto, mais do que isso, existem estudos quantitativos e tabulações que nos levam a enfatizar a concepção de ambientes mais humanizados e dotados de itens de conforto ambiental, para apressar a cura e a alta de pacientes em unidades de saúde.


 

            A partir dos novos conceitos apresentados, que devem orientar os arquitetos na busca de hospitais mais eficientes e adequados aos novos tempos, podemos dizer que um novo modelo de hospital está surgindo. Estes parâmetros são baseados na forte corrente da humanização que permeia os estudos e pesquisas sobre a nova arquitetura de instituições de saúde. O desenho do novo hospital está, acima de todas as outras determinantes, baseado solidamente na figura do paciente e na tradução de todos os seus direitos e aspirações enquanto usuário do sistema de saúde.


 

            Em seu artigo “The Business Case for creating a healing environment”, a arquiteta Jain Malkin preconiza, para hospitais, o chamado desenho baseado em evidências (DBE) (evidence-based design), assim como a medicina baseada em evidências (evidence-based medicine), apontando resultados de eficiência operacional e produtividade, para a área de saúde. Segundo ela:


 

A new generation of healthcare facilities is emerging that is very different from familiar institutional models. Based on patient-centered care and healing the whole person, these health centres are spiritual sanctuaries with gardens, fountains, natural light, art and music. Researches are learnig how human emotions are linked to disease and that healing is promoted by surroundings that reduce stress and engage the senses in therapeutic ways. The surprising news is that this design strategy can actually I´prove the bottom line (MALKIN, 2003).


            

A arquiteta divide em cinco requisitos, a base para o estabelecimento do desenho baseado em evidências: “access to nature, options and choices (control); positive distractions; social support; and environmental stressors” (MALKIN, 2003), que ela descreve da seguinte maneira (tradução nossa):

 

§   Eliminar os fatores ambientais estressantes como ruído, falta de privacidade, iluminação excessivamente forte, baixa qualidade do ar interior;

 

§   Conectar o paciente com a natureza através de janelas panorâmicas para o exterior, jardins internos, aquários, elementos arquitetônicos com água etc.;

 

§   Oferecer opções e escolhas para o controle individual incluindo privacidade versus ambiente social, controle da intensidade da luz, escolha do tipo de música no ambiente, opções de posições no sentar, silêncio e quietude versus áreas de espera “ativas”;

 

§   Disponibilizar oportunidades de socialização através de arranjos convenientes de assentos que promovam privacidade aos encontros de grupos de familiares, acomodações para a família e acompanhantes nos ambientes de internação e para pernoite nos quartos;

 

§   Promover atividades de entretenimento “positivas” como arte interativa, aquários, conexão com a Internet, música ambiente, acessibilidade a vídeos especiais com programas que possuam imagens e sons reconfortantes e adequados à assistência à saúde;

 

§   Promover ambientes que remetam a sentimentos de paz, esperança, reflexão, conexão espiritual, relaxamento, humor e bem-estar.

 

 

O HOSPITAL DO FUTURO

 

            Os projetos arquitetônicos do hospital do futuro implementam, com o desenho e a concepção dos seus ambientes, a agilidade no processo de cura, a facilitação da incorporação tecnológica e a presença do conforto ambiental, estabelecendo espaços que integram o paciente com a natureza e que embasam a nova abordagem de assistência à saúde, centrada no paciente como um todo e na integração do seu bem-estar físico, psicológico e espiritual.


 

            As bases dos conceitos apresentados, no sentido de orientar a arquitetura de ambientes de saúde, podem ser consolidadas em seis recomendações, a serem priorizadas nos projetos, orientando sua implantação e conformando uma nova abordagem para o desenho de hospitais e de estabelecimentos de assistência à saúde. São elas:


 

            ACOLHER o paciente, dotando os ambientes de acesso à unidade- as portas de entrada- de aspectos de conforto ambiental, ampla oferta de informações, sinalização conveniente, facilitação de fluxos, salas de espera acolhedoras, facilidades como comunicação telefônica, cantina, atendimento pelo Serviço Social, áreas especiais para crianças e agilidade nos acessos às ocorrências de gravidade acentuada ou de alta complexidade.



Figura 1- Área de espera- Rede Sarah, Salvador-BA. João Filgueiras Lima- Lelé.

Fonte- Revista Projeto Design, nº 187, 1997.
 

           

INFORMATIZAR os estabelecimentos, agregando ao projeto todas as premissas para um grande conforto na distribuição de rede lógica, que possa ser dimensionada e flexibilizada o suficiente para atingir pontos disseminados por todos os setores, com ênfase nos acessos de Emergência e Urgência, Postos de Enfermagem, Salas de Telemedicina, Centros Cirúrgicos, Serviços de Imagem e laboratoriais, prevendo, ainda a sua futura expansão.


 
Figura 2- Recepção, Hospital Municipal Lourenço Jorge, Rio de Janeiro.

Fonte- Espaço Saúde, FAU/UFRJ, 2003.
 

           

PROMOVER a saúde da população através da integração dos mais diversos programas de prevenção e promoção de saúde, destinando áreas e espaços adequados para a educação de saúde e o desenvolvimento de ações de treinamento, convivência, didática e qualificação de médicos, enfermeiros, atendentes e usuários, na direção da implementação das idéias do movimento das Cidades Saudáveis.


 
Figura 3- Posto Saúde da Família Ana Gonzaga, Rio de Janeiro.

Fonte- Secretaria Municipal de Saúde, Rio de Janeiro, 2003.
 

           


FLEXIBILIZAR a concepção da estrutura física da unidade, dotando seu desenho de atributos arquitetônicos para a sua futura ampliação, incorporação de tecnologia, reformas e readequações, através de modulação do desenho, racionalização de circulações, setorização adequada de serviços, análise criteriosa do programa arquitetônico e estabelecimento correto do perfil da unidade.


 
Figura 4- Open Building: novo paradigma para projetos hospitalares: THE INO HOSPITAL, Berna, Suiça.

Fonte- Open Buildings. Acervo próprio, 2003.
 

        

   

HUMANIZAR os ambientes, incorporando itens de conforto ambiental que sejam capazes de afastar os fatores estressantes inerentes aos espaços hospitalares, e tendo como principal foco de atenção e de cuidados projetuais os desejos, aspirações e necessidades do paciente e a sua total integração com a natureza, o respeito à sua individualidade e a visão de conjunto de sua saúde física, psicológica, social e espiritual.

 

Figura 5- Evelina Children's Hospital, Londres, Inglaterra.

Acervo próprio, 2003.
 

           

COMPATIBILIZAR tecnologia, conforto ambiental e agilidade de fluxos com uma criteriosa escolha na especificação de materiais e de acabamentos, sistemas construtivos, modulações, durabilidade, segurança e facilidades na sua manutenção, agregando conceitos de prevenção e controle da infecção hospitalar e de biossegurança, dotando os estabelecimentos de potencial para atingir muitos anos de uso, com ambientes satisfatórios, eficientes e sólidos.


 
Figura 6- Espaço de quarto de clínica desenhado sob os princípios do DBA (Desenho Baseado em Evidências) - Evidence-Based Design.

Fonte- Welness Environments, Nashville, USA 2003.
 

            A partir da disseminação e do uso dos conceitos apresentados, poderemos contar com ambientes de atenção à saúde construídos com o olhar voltado para o futuro e para o atendimento integral dos agravos da população, colocando o indivíduo no centro das atenções projetuais, e redimensionando os espaços para a sua verdadeira e concreta missão, de prestar conforto para os males e a promoção da saúde dos indivíduos.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Por uma Geografia Hospitalar. Revista Tempo Social, Revista Sociologia. São Paulo, USP, p. 227/234, 1. sem. 1989.

 

BRASIL, Ministério da Saúde. Resolução de Diretoria Colegiada nº 50. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.

 

COSTA, Jorge Ricardo Santos de Lima, Espaço Hospitalar: a revolta do corpo e a alma do lugar. Trabalho apresentado no Curso “Trabalho e Modo de Vida no Hospital” da Escola Nacional de Saúde Pública- ENSP/FIOCRUZ.

 

COSTEIRA, Elza Maria Alves. Hospitais de Emergência da Cidade do Rio de Janeiro: uma nova abordagem para a eficiência do ambiente construído. Orientador: Mauro César de Oliveira Santos. Dissertação de Mestrado. PROARQ/FAU/UFRJ. Rio de Janeiro, abril de 2003.

 

MALKIN, Jain. The Business Case for Creating a Healing Environment in Business Briefing: Hospital Engineering & Facilities Manegement. World Market Research Centre Ltd, in association with The International Federation of Hospital Engineering (IFHE), London, England, 2003.

 

MIQUELIN, Lauro Carlos. Anatomia dos Edifícios Hospitalares. São Paulo: CEDAS, 1992.

 

PLANETREE. Creating patient-centered care in healing environment. Página disponível na internet, no endereço http://www.planetree.org/welcome.html, acessada em 16 de junho de 2012.

 

PEVSNER, N. Historia de las Tipologias Arquitectonicas. Barcelona, Gustavo Gilli, 1980, 449 p.

 

SANTOS, Mauro; BURSZTYN, Ivani; FONTES, Maria Paula; COSTEIRA, Elza. Arquitetura e Saúde: O Espaço Interdisciplinar in III FORUM DE TECNOLOGIA APLICADA À SAÚDE - CONGRESSO ARQSAÚDE, 2002, Salvador, Bahia. Anais UFBA/CEFET, Bahia, 2002.

 

THOMPSON, John D. & GOLDIN, Grace. The Hospital: A Social and Architectural History. New Haven and London. Yale University Press, 1975.

 

Doutoranda e Mestre em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialização em Administração Hospitalar pelo Instituto de Medicina Social (IMS-UERJ). Graduação em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UFRJ).