A importância do projeto acústico compatibilizado ao projeto arquitetônico nas edificações residenciais



A importância do projeto acústico compatibilizado ao projeto arquitetônico nas edificações residenciais
(Foto: Gramaglia Arquitetura/Reprodução)

 

A tendência de crescimento populacional nas cidades, principalmente nos grandes centros, gera a necessidade de construções de moradias verticais multifamiliares. Essa densidade populacional gera grandes ruídos de trânsito e conflitos quando aspectos como desempenho das edificações são relevados a segundo plano.

 

As edificações residenciais projetadas e construídas contemplam, além dos recintos convencionais, um número cada vez maior de atividades de lazer que inclui salão de jogos, espaço gourmet, espaço kids, espaço beleza, spa terapia, garage band, etc., como um atrativo imobiliário e de melhoria de qualidade de vida.

 

Entretanto, essas atividades têm características próprias e requisitos específicos de desempenho acústico. Quando esses atrativos começam a gerar incômodo sonoro, conflitos entre vizinhos podem levar a questões judiciais, pois interferem diretamente no dia a dia das pessoas, afetando fisiologicamente, psicologicamente, comportamental e cognitivamente.

 

Ao dormir, passamos por quatro fases do sono até atingir o sono profundo, que faz com que suas “baterias recarreguem” para recomeçar um novo dia em plena capacidade. Acontece que, se no quarto existir um ruído intruso de 35dB(A), automaticamente o cérebro sai da quarta fase do sono e retorna à primeira fase, fazendo com que o “tempo de recarga“ de energia fique insuficiente. Consequentemente, no dia seguinte, a sonolência, a baixa produtividade, o raciocínio lento e o mau humor são características comuns.

 

Conforme pesquisa na Suécia, realizada em 6/5/2014, o ruído excessivo das grandes cidades faz com que ocorra o aumento de hormônio do stress (cortisol) na corrente sanguínea, gerando o aumento de gordura abdominal (https://chegadebarulho.blog/).





Na SEUMA-CE (Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente do Estado do Ceará), a quantidade de reclamações e solicitações de constatações vêm aumentando a cada ano no setor de fiscalização. Os conflitos entre vizinhos são constantes, chegando a extremos com ações civis públicas no MP (Ministério Público).

 

Segundo Carneiro, 2002, advogado especialista em conflitos desta natureza, existem três pontos principais a considerar neste tipo de litígio: o mau uso da propriedade, patologias de projetos e defeitos decorrentes da construção.

 

                                 “Não é novidade o enorme descaso quanto à questão do isolamento acústico nas construções civis em nosso país. A negligencia atitude, porém, reclama severa repreensão, dado que privilegia o interesse econômico dos responsáveis tanto pelos projetos como pelas respectivas execuções das edificações, em detrimento do sossego, saúde e segurança de muitos que, por não saberem exatamente a gravidade dos males a que estão expostos, acabam por se resignar do problema. ” (CARNEIRO, 2002, p.26).

  

O nível de pressão sonora (NPS) de um evento em salão de festas e/ou espaço gourmet, geralmente projetados com pé direito duplo, piso, parede, teto refletores e esquadrias comuns de fechamento de invólucro; com portas de acesso de correr com baixo desempenho, pode chegar a nível de pressão sonora de 90dB(A), com equipamento eletroacústico - ou seja - , aparelhagem sonora com caixas  e amplificadores.

 

Com as bandas contratadas para festas e similares, esse valor pode chegar ao NPS de 100 dB(A). Nesta situação, os apartamentos próximos e os andares superiores do mesmo edifício, bem como vizinhos em lotes laterais e/ou confrontantes, serão atingidos por boa parte desta energia sonora.

 

Em Recife, o projeto arquitetônico só é aprovado na Prefeitura se nele estiver anexado o projeto acústico do salão de festas (Lei 16667); um fato diferenciador na qualidade de vida da população.

 


(Foto: AECweb/Reprodução)
  

Pela Lei Municipal 8097, em Fortaleza, o limite é de 60 dB(A) durante a noite e de 70dB(A) durante o dia. Logo, o uso de esquadrias acústicas e invólucro de fachada deverá atender ao desempenho mínimo, solicitado conforme NBR 15575/13 e NBR 10152/17 de conforto acústico, sem falar na observância à Lei do Silêncio de cada município.

 

Outro aspecto importante é a relação entre recintos em habitações distintas no mesmo edifício. Quando os apartamentos contêm paredes geminadas e um dos ambientes é o dormitório, o desempenho mínimo solicitado é de 45 dB(A). Esse valor mínimo é relativo ao sistema e não apenas à vedação vertical geminada. (Erro muito comum entre profissionais da Construção Civil).

 

Considerando que em laboratório o Rw  ( ensaio em laboratório) de uma alvenaria comum tem:

  • bloco cerâmico de terracota 6 furos de 140mm com acabamento em chapisco
  • emboço e reboco
  • fundo preparador
  • demão de massa PVA e 
  • duas demãos de tinta látex
  • alvenaria final com densidade 165kg/m²;
 

Tem desempenho de apenas 40dB(A), sem considerar: perfurações por passagens de conduítes elétricos, tomadas e tubulações hidrossanitárias; Ainda observamos situações onde  projetos arquitetônicos contemplam especificação de vedações em bloco de gesso de 80mm, acoplado direto na laje de piso e coberta, com desempenho que não chega a 33dB(A). Isso acarreta transmissão de ruído aéreo entre recintos, eliminando a privacidade e causando mal-estar entre vizinhos.

  

A solução para vedações verticais internas demanda cuidado ao usar contra parede devido ao esforço cortante, bem como cuidados com a carga total para vedações com grandes densidades.

 

Em um mesmo apartamento, quando um vizinho de cima arrasta um móvel, se desloca com salto ou com uma pisada mais forte em uma laje nervurada, maciça, alveolar ou outro tipo de laje, sem estar desacoplada com elastômero (laje flutuante), ocorre uma transmissão de ruído de impacto.  

 

Esse ruído é transmitido por vibração estrutural de baixa frequência, propagado diretamente pela laje e pelos flancos através das vedações verticais e varia de acordo com a tipologia, dimensão da laje e tempo de reverberação do ambiente receptor.

 

Considerando que cada usuário ou morador tem horários e hábitos distintos, na maioria das vezes há conflitos devido ao ruído. A questão do ruído de impacto é um desafio que só é resolvido plenamente no momento da definição dos projetos arquitetônicos e do cálculo estrutural, pois para solucionar o problema quando se trata de uma laje flutuante, é necessário um acréscimo de carga de 250kg/ m² em soluções com elastômeros e contrapiso armado.

 

Considerando, por exemplo, que em um edifício residencial existam dois apartamentos por andar, de 100m², totalizando 20 andares, teremos um acréscimo de 50 mil quilos por andar. Provavelmente, esse acréscimo de sobrecarga não é previsto para fundação quando não se considera o projeto da laje flutuante.

 

Hoje é comum, infelizmente, a “não conformidade” em muitos projetos arquitetônicos e obras relativos ao ruído aéreo, às partições verticais, ao ruído de impacto da laje, de coberta, do invólucro de fachada, de máquinas, de geradores, de elevadores, de bombas e de edícula de gás GLP existentes nas edificações. Sem falar no ruído de retrossifonagem relativo à descarga com colunas hidrossanitárias embutidas em shaft (também conhecido como duto), que ligam todos os andares, no ruído de piscinas em coberturas, de vibração e o aéreo de helipontos.

  

Por isso, mais uma vez, a importância de se trabalhar a experiência do cliente final no nascer do projeto arquitetônico, compatibilizado ao projeto acústico e seus complementares. Desta forma, permite-se a mitigação de futuras patologias e, consequentemente, um menor retrabalho na obra, diminuição de custos de correções e custos jurídicos com o cliente final, prevalecendo um projeto arquitetônico que contemple não só a aparência, mas também a experiência.


    

CURSO DE ACÚSTICA ARQUITETÔNICA: PROJETANDO A EXPERIÊNCIA ACÚSTICA - 20h

  

 

OBJETIVOS

Proporcionar aos Alunos uma melhor compreensão do comportamento do som nos ambientes construídos, sensibilizando profissionais e alunos para importância do projeto acústico compatibilizado ao projeto arquitetônico.

 

JUSTIFICATIVA

Capacitar Engenheiros, Arquitetos e Designers a oferecer a seus clientes uma experiência acústica adequada por atividade no nascer do projeto, sem ter que passar por correções indesejáveis e custosas nos pós ocupação.

 

PÚBLICO ALVO

Engenheiros, Arquitetos, Designers, Tecnólogos e Alunos da área de Construção Civil.


 Especialista em Acústica Arquitetônica e Iluminação, Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Ciências Humanas ESUDA. Atualmente é Arquiteto e Urbanista da - Ar Racif Construções, elaborando e executando projetos acústicos arquitetônicos. Professor de Pós-Graduação em acústica na Faculdade ESUDA/PE.