Entenda a relação entre RSE, Ética Empresarial e Greenwashing



Entenda a relação entre RSE, Ética Empresarial e Greenwashing

Prof. Jackes Araujo


É inegável o fato de que vivemos em tempos de sustentabilidade - uma nova ordem mundial consolidada. O termo sustentabilidade e os movimentos pelo meio ambiente há muito deixaram de ser uma excepcionalidade e tornaram-se uma constante no cotidiano da sociedade.


Os noticiários são a ressonância diária de uma nova ordem mundial. Uma teia normativa gigantesca se formará e não só os indivíduos, mas também as empresas devem se orientar pelo princípio da sustentabilidade em que o “fazer o certo” e o ético lhe é condicion sine qua.


Essa onda global e globalizante é preditora de condutas corporativas de mercado. As empresas sofrem pressões de stakeholders de todas as ordens: acionistas, investidores, consumidores e da concorrência, levando-as por consciência ou por pura estratégia a adotarem práticas ambientais e socialmente sustentáveis, resultando em ações que podemos chamar de ações de responsabilidade social corporativa.


Nesse universo a responsabilidade social empresarial, denominação a que nos filiamos, é tema relevante, não obstante, “nada de novo no front”, vez que a discussão remonta à Idade Moderna, quando do surgimento das empresas.


Antes de avançar, contudo, é importante entender que, semanticamente, a palavra responsabilidade deriva do latim respondere, que em síntese significa comprometer-se, correspondendo à obrigação do agente de responder por suas ações.


Para a Comissão Europeia, RSE é um conceito através do qual as empresas integram preocupações sociais e ambientais em seus negócios e na sua interação com seus stakeholders de forma voluntária (CAJAZEIRA; BARBIERI, 2016).


É inquestionável a importância do tema na atualidade, são inúmeras as iniciativas promovidas por empresas, ONGs e órgãos da ONU. Há um movimento crescente de códigos de ética, programas de responsabilidade social empresarial e de normas de regulamentação, como é o caso da ABNT NBR ISO 26000, que define a responsabilidade social. (CAJAZEIRA; BARBIERI, 2016).


Associações como a Business for Social Responsibility, nos Estados Unidos; o Instituto Ethos de Responsabilidade Social e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), surgiram com o objetivo de difundir propostas de responsabilidade social empresarial. É pacífico que, em razão da temática sustentabilidade, a responsabilidade das empresas para com seus stakeholders e as ações concretas resultantes dessas responsabilidades, passaram a ser preocupação mais frequente para os gestores.


Observa-se, entretanto, uma ambiguidade na natureza das atividades socialmente responsáveis das empresas e na maneira como são projetadas (ROULET; TOUBOUL, 2014).


Como diz Marquis et al., (2007), as ações sociais corporativas devem ser projetadas para garantir o bem estar dos stakeholders. Entretanto, as verdadeiras intenções por trás de determinadas ações corporativas podem ser outras (WALKER; WAN, 2012). Algumas empresas podem fazer uso dessas ações para induzir seus stakeholders ao erro sobre a abrangência de seu engajamento a fim de ganharem legitimidade.



Desse modo, as empresas podem ser enquadradas na prática do que se convencionou denominar greenwashing. Assim, não é raro que, vez por outra, sejamos apanhados de surpresa com notícias impactantes e ,em um primeiro momento, inexplicáveis, como o recente caso das “Americanas.”


Nesse contexto, greenwashing, (em inglês, pintar de verde), pode ser definido como o uso simbólico das ações sociais corporativas em detrimento de sua aplicação substantiva; ou ainda como o ato de induzir os consumidores ao erro em relação às práticas ambientais e/ou sociais de uma empresa, do que se pode inferir uma conduta empresarial contrária às boas práticas.


O greenwashing tem sido uma prática de gestão (nociva, diga-se de passagem) muito adotada por empresas ligadas a diversos ramos da atividade econômica (ARAÚJO, 2007).


A teoria atual vem pesquisando e analisando vários estudos realizados nos últimos anos, mais precisamente entre 2014 e 2018, com o objetivo de determinar a gravidade do greenwashing e o seu impacto sobre a ética empresarial.


O termo greenwashing foi cunhado pela primeira vez em 1986, pelo biólogo e ativista ambiental Jay Westerveld (PEARSON, 2010). Na medida em que uma ação ética é definida como “fazer o bem”, e está inter-relacionada com a Responsabilidade Social Corporativa, o greenwashing pode ser compreendido como um fenômeno que reflete um desvio ético corporativo.


A responsabilidade social é, portanto, como diz Avedãno, (2013) a expressão da ética entre os indivíduos e seu meio ambiente. Assim, os critérios éticos que costumam ser impostos nas decisões relacionadas ao desenvolvimento contribuem para determinar o exercício dessa responsabilidade.


A ética é uma reflexão filosófica que tem suas origens na Grécia Antiga, com Sócrates, e posteriormente desenvolvida por Platão e Aristóteles (LUZ, 2022), mas que ainda está presente na sociedade para orientar a conduta de indivíduos e empresas, sendo representada por duas principais correntes filosóficas: a ética da convicção, que origina-se da ética kantiana; e a ética da responsabilidade, originária do utilitarismo inglês (FONSECA; FRANKL, 2020).


Assim, por ser a empresa o meio pelo qual se produz a organização social do trabalho, faz-se necessário introduzir imediatamente o campo da reflexão ética. A ética convida as pessoas a atingirem os mais altos níveis de crescimento pessoal e social, porque o que é mais característico do ser humano pode ser considerado como um potencial de crescimento irrestrito (CONGOTE, 2017).


Ousamos dizer aqui que a discussão ética nunca esteve tão presente e tão importante nas relações das corporações com a sociedade como nos tempos atuais, uma vez que a saúde dessa relação impõe um posicionamento crítico necessário.


Da célebre frase de Sócrates “só sei que de nada sei”, se extrai a necessidade de uma postura crítica e um questionamento em relação à realidade (CHAUÍ, 1995). Sócrates pensava que, para o próprio agente, fazer o mal é mais prejudicial do que sofrer o mal. Entretanto, o mal objetivado cria uma nova causalidade externa, e estaria indagando sobre seu dano moral ao lado do sofrimento.


Segundo Chauí (1995), para Platão o problema ético é um problema de educação, e apenas o conhecimento legitima o exercício do poder. É o que se apreende da figura do “rei filósofo”, de A República. Também se extrai da obra de Chauí (1995) que, para Aristóteles, a ética não é uma ciência ideal ou exata, e sim o que se aprende com a prática da vida e que, no decorrer desta, os atos de decisão tenham a prudência por princípio, tomando como propósito o bem para si e para os outros.


Nos chamados tempos modernos, Kant propôs uma nova forma de fundamentação ética. De sua obra, tornada pública em 1984, se extrai que, para Kant, a ação ética é aquela realizada estritamente por dever, uma lei oriunda de nossa razão, independente de contexto histórico, cultural ou religioso. Para Kant (1984), todo homem é capaz de distinguir o bem do mal ainda que frequentemente faça mau uso dessa capacidade.


Tomando como premissa a ética de Kant, é possível pensar questões inerentes ao ambiente corporativo contemporâneo.


O utilitarismo inglês de Bentham e Mill é outro importante grupo de teorias e éticas, dada sua grande influência no mundo corporativo. A ação ética sob o prisma utilitarista é aquela que beneficia o maior número de pessoas, ou seja, útil é o que contribui para o bem estar da coletividade.


Em conclusão, observa-se que as práticas sustentáveis adotadas pelas empresas de maneira crescente e, na maioria das vezes, atendendo às pressões do mercado, revestidas de ações corporativas responsáveis, precedidas de uma intenção outra que não o fazer o certo, “o fazer o bem”, para a sociedade, sugerem desvios éticos e, como tal, merecem ser estudados à luz das teorias éticas para orientação das corporações.


REFERÊNCIAS


CAJAZEIRA, Jorge Emanuel R.; BARBIERI, José C. Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável - 3ª edição.. [Digite o Local da Editora]: Editora Saraiva, 2016. E-book. ISBN 9788547208325. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547208325/. Acesso em: 23 fev. 2023.


KANT, I. Da Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1984.  CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 1995. CONGOTE, Juan D. E. Implicações Éticas que se  Desprenden de Algunas Corrientes de Responsabilidade: Los Biens, Las Normas e Las Virtudes.  


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TOUBOU Samuel.The Intentions with Which the Road is Paved: Attitudes to Liberalism as Determinants of Greenwashing. J Bus Ethics DOI 10.1007/s10551-014-2097-8


GRIESSE, Margaret A. Business Ethics and Corporate Social Responsibility in Light of LAWRENCE KOHLBERG’S THEORY OF MORAL JUDGEMENT AVENDÃNIO WR.  WRLASALLIAN RESEARCH JOURNAL - Vol. 10 No. 1 - 2013 - C.- 


ARAÚJO, Thiago Cássio D‟Ávila . Ecoturismo ou Greenwashing? Revista ECO 21. Edição 129. Agosto de 2007. Disponível em . Acesso em: 28 de nov de 2016. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n.476152•163


MUNIR, Sufa; MOHAN,  Vivek. Consumer perceptions of greenwashing: lessons learned from the fashion sector in the UAE. Asian Journal of Business Ethics (2022) 11:1–44.


LUZ, Ana Rosa. Bem egológico e bem comum: entre antigos e helênicos. Griot: Revista de Filosofia, v. 22, n. 1, p. 1-11, 2022.


MARQUIS, C., GLYNN, M. A., & Davis, G. F. Community isomorphism and corporate social action. Academy of Management Review, 32(3), 925–945, 2007.


PEARSON, J. Are we doing the right thing. Journal of Corporate Citizenship, v.37, p.37–40, 2010.


WALKER, K.; WAN, F. The harm of symbolic actions and green-washing: Corporate actions and communications on environmental performance and their financial implications. Journal of Business Ethics,  v.109, n.2, p.227–242, 2012.


FONSECA, Ramon Silva Silveira da; FRANKL, Viktor Emil. Considerações acerca da objeção de consciência sob o prisma noético da logoterapia de Viktor Frankl. 123 f. Tese (Doutorado) - Universidade Católica de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, 2020.



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