Ordem e desordem na construção hospitalar: regulamentações, legislações e normas técnicas



Ordem e desordem na construção hospitalar: regulamentações, legislações e normas técnicas

Conhecer o impacto das interferências e contribuições que os diversos formatos da legislação acrescentam na elaboração do projeto arquitetônico para edifícios de saúde pode representar uma significativa contribuição aos profissionais que atuam neste segmento. Desta forma e para estes profissionais, é recomendável existir o contínuo processo de retroalimentação de informações na definição das normas e regulamentos.

 

Esse pode ser um caminho e oportunidade de se participar do processo de ordem e qualificação dos edifícios para serviços de saúde. A complexidade operacional de uma instituição que coordene a diversidade de normas, legislações, recomendações técnicas e demais procedimentos formais voltados para o planejamento e construção de edifícios destinados aos serviços de saúde no Brasil, exige uma contínua convivência com os profissionais que atuam nesse segmento.

 

Estas práticas, no entanto, não se conformam a partir de uma história recente, seja no Brasil ou mesmo em outros países. A Itália teve a sua primeira normativa publicada no século XIX, final de 1890, conhecida como Legge Crispi – Normativa Del Settore Ospedaliero. Nesta norma, não se definia fundamentalmente a atividade do hospital sob o ponto de vista funcional nem o melhoramento do serviço, mas tutelava a administração dos recursos ao benefício da prática de uma gestão de servidões. A oposição no ambiente eclesiástico, reinante à época, foi previsivelmente muito forte. Somente um acordo formalizado em 1926 “restabeleceria à igreja a posição de controle” sobre as questões da assistência hospitalar segundo o italiano arquiteto Guido GIGLI (1994, p. 21).
   

Nos Estados Unidos da América, o primeiro Registro Federal sobre a questão hospitalar surgiu em 14 de fevereiro de 1947, como parte da implementação das regulamentações propostas pelo Hill-Burton Act e parte do programa de assistência aos que participaram da II Grande Guerra Mundial. Porém, somente em 1973 um documento específico e intitulado “Requerimentos Mínimos de Construção e Equipamentos para Gestão Hospitalar” foi publicado. Nele constavam recomendações específicas sobre o planejamento, programação e apresentação de normas para hospitais.

 

Antes de tudo isto, e se for possível considerar que as reformas hospitalares produzidas pelo cirurgião francês Jaques René Tenon, após sua incursão pela Inglaterra em 1787, fossem resultantes das primeiras orientações para construção de hospitais elaboradas na França, teremos ali também as primeiras orientações do mundo ocidental. Não se pode também deixar de registrar que as referidas Memórias escritas por Tenon são resultantes de visita realizada ao que havia sido produzido na Inglaterra do século XVIII, oriundo das pesquisas anteriormente realizadas por John Howard em diversos países da Europa para construção de prisões e lazaretos. A Inglaterra, que no período de 1736 a 1799 havia construído 37 hospitais, passou, por este motivo, a ser uma referência no conhecimento da edificação daquelas construções.

 

A evolução da produção da regulamentação específica das edificações hospitalares no Brasil tem uma história recente com a publicação do “Projeto de Normas Disciplinadoras das Construções Hospitalares”, pelo Ministério da Saúde, em 1965. Este trabalho foi desenvolvido por alguns dos pioneiros nesse trabalho no país: os arquitetos Oscar Valdetaro, Roberto Nadalutti e Henrique Bandeira de Mello. Eles assinaram a apresentação do livro destacando que “o presente trabalho representa uma tentativa de promover uma orientação nas construções hospitalares, não se revestindo de rígidos partidos a serem impostos” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1965, p. III).

   

Essa publicação traz alguns avanços para a definição dos conceitos do edifício hospitalar e ao mesmo tempo reconhece ainda valores baseados nas antigas instituições. Em 6 de junho de 1977, seria publicado o primeiro trabalho institucional destinado a regulamentar o assunto: “Normas e Padrões de Construções e Instalações de Serviços de Saúde – Portaria nº 400”. As bases destas Normas estavam baseadas em outro documento anteriormente publicado, denominado “Normas de Construção e Instalação do Hospital Geral”, elaborado pela Coordenação Médica e Hospitalar / SAM, do Ministério da Saúde.

 

A publicação do “Regulamento Técnico para Planejamento, Elaboração, Avaliação de projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde”, Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 50, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 21/fevereiro/2002, incorporou expressivas alterações e recomendações legais ao controle e organização do projeto (Anvisa, 2004). Dentre as inovações provenientes dessa Resolução, é importante destacar a inserção do controle sobre as características físicas ambientais e a organização dos procedimentos formais para a apresentação de projetos. Este último aspecto foi detalhado de forma mais abrangente em legislação posteriormente aprovada, através da Resolução - RDC nº 307, publicada pela mesma Anvisa, em 14/novembro/2002.

 

Em 18 de julho de 2003, complementando as formalidades projetuais acima descritas, a mesma Agência publica a Resolução – RDC nº 189, que passa a exigir que todos os projetos de arquitetura de estabelecimentos de saúde, públicos e privados devem ser avaliados pelos Órgãos de Vigilância Sanitária, estaduais ou municipais, previamente ao início da obra a que se referem os projetos.

 

No Brasil, a função desempenhada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de coordenar a produção e organização das normas de planejamento, programação, organização e concepção projetual dos referidos estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS), ainda tem especial destaque face ao seu papel de análise e fiscalização dos projetos que estejam submetidos à dependência de recursos provenientes do Ministério da Saúde.

 

Durante a realização do VI Congresso Brasileiro para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar da ABDEH em Florianópolis, Santa Catarina, a essência do tema foi a Excelência dos Ambientes de Saúde. Oportunamente, representou uma evolução a partir do estágio dinâmico que se faz necessário na contínua revisão de necessidades e adequação aos novos materiais de construção, práticas de assistência à saúde e inovações de conceitos de saúde.

 

Há uma revisão da legislação do planejamento e elaboração de projetos hospitalares em andamento ou por acontecer. É uma oportunidade de reciclar valores funcionais e de atualizar serviços de saúde que já existem, mas sem ambientes compatíveis, além de estabelecer as bases da sua exequibilidade regionalizada e adequada aos recursos que dispomos; e melhorar o projeto do edifício hospitalar, aprovado com as limitações de sofisticações tecnológicas, antes com os cuidados funcionais e de fluxo possíveis do que com a sistematização de ter-se o ajuste ilegal como prática.

 

A ordem e a desordem do sistema de saúde no Brasil passam necessariamente pela qualidade da infraestrutura predial hospitalar que o país possa oferecer. Esta é uma importante oportunidade de qualificar-se a própria responsabilidade projetual, e esta passa pelo compromisso coletivo com os parâmetros legais possíveis à realidade de cada região do Brasil, sustentáveis e acessíveis.


Professor INBEC