(Foto: © Dmytro Ostapenko (shutterstock) / ArchDaily - Reprodução)
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Fungos estão por toda parte. No ar, na água, no nosso organismo, nas árvores, no forro do banheiro, embaixo da terra. Podem assumir a forma de cogumelos (comestíveis, medicinais, alucinógenos ou muito venenosos), ou outras mais simples, como mofos e bolores. Podem desencadear doenças, mas também produzir remédios antibióticos, como a penicilina, ou ajudar a fermentar queijos e pães incríveis. E se eles também pudessem ser o futuro das embalagens e dos materiais de construção?
(Foto: Ecovative Mushroom® Insulation . Image Cortesia de Ecovative / ArchDaily - Reprodução)
Fungos são os recicladores primários da natureza. Eles produzem enzimas que auxiliam na degradação de matéria orgânica, transformando-a em minerais. Os ambientes mais propícios para o surgimento dessas formas de vida são os mais sombreados e úmidos. Tal qual um iceberg, a porção visível de um fungo, ou cogumelo, representa uma pequena fração do mesmo. Abaixo da superfície, os cogumelos desenvolvem raízes semelhantes a fios, chamadas de micélio.
Tratam-se de filamentos extremamente finos de cor branca, que se desenvolvem em todas as direções, formando uma trama complexa que cresce muito rapidamente. Quando o fungo se implanta em um local propício, o micélio se comporta como uma cola, cimentando o substrato e transformando o conjunto em um bloco sólido. O substrato pode ser composto por serragem, madeira moída, palha, diversos resíduos agrícolas, entre outros, que geralmente iriam para usos menos nobres.
Dependendo da cepa de micélio e o substrato utilizado, o produto final pode ser moldado para produzir painéis isolantes, mobiliários, acessórios, tecidos, materiais de embalagem e mesmo tijolos, com boas características térmicas, acústicas e até com bom comportamento ao fogo. Pesquisas científicas [1] têm mostrado que, em termos de características físicas e mecânicas, os materiais à base de micélio se assemelham ao poliestireno expandido (muito chamado de isopor), mas com um nível de biodegradabilidade aprimorado. “Além do substrato lignocelulósico, as características de um biocompósito à base de micélio são fortemente influenciadas pelas espécies de fungos selecionados e seu crescimento contínuo. Assim, a consistência do próprio micélio é, por sua vez, afetada pela composição e estrutura do substrato.”
A empresa Ecovative Design, por exemplo, é uma das pioneiras em utilizar o micélio para a criação de objetos, principalmente embalagens. O substrato é inserido em moldes, junto com uma solução com os fungos, e após cerca de 5 dias de crescimento em condições propícias de temperatura, umidade e luminosidade, o material é solidificado na forma desejada. Ele vai, então, a um forno para inativar completamente os microrganismos presentes, para poder ser utilizado como uma embalagem comum. IKEA e DELL são empresas que já vem utilizando essas embalagens, cuja principal vantagem é serem completamente biodegradáveis.
(Foto: Cortesia de Arup / ArchDaily - Reprodução)
O estúdio The Living, de Nova York, trabalhou em cooperação com a Ecovative Design no Hy-Fi Project, um pavilhão que foi construído no pátio do MoMA PS1, após ter vencido o MoMA’s Young Architects Program do ano de 2014. Com assessoria estrutural da ARUP, foram desenvolvidos tijolos de micélio, que cresciam em menos de uma semana em moldes prismáticos a partir de resíduos de talos de milho picados. Quando emparelhados, os tijolos foram capazes de estruturar uma torre de cerca de 12 metros de altura. Ao fim da exposição de dois meses, a torre foi desmontada e os tijolos foram levados para composteiras, seguindo seu curso orgânico.
(Foto: Hy-Fi Pavilion / The Living. Image © Andrew Nunes / ArchDaily - Reprodução)
Carlo Ratti Associati, trabalhando em colaboração com a empresa de energia Eni, também desenvolveu uma estrutura arquitetônica feita de cogumelos, exposta na Milan Design Week de 2019. O “Jardim Circular” é composto por uma série de arcos que somam um micélio de 1 km de comprimento. Os esporos foram injetados no material orgânico para iniciar o processo de crescimento. Como muitos pavilhões para exposições temporárias geram grande quantidade de lixo, o Jardim Circular traça um curso mais sustentável, com cogumelos, cordas e lascas de madeira trituradas e devolvidas ao solo após o final da exposição.
Seguindo o mesma raciocínio, o Shell Mycelium Pavillion, colaboração entre o BEETLES 3.3 e a Yassin Areddia Designs, oferece uma alternativa ao design consciente por meio de estruturas temporárias. Uma estrutura de madeira foi coberta com fibra de coco que continha o fungo. Após alguns dias de cuidados, o micélio cresceu e formou uma cobertura esbranquiçada sobre a estrutura. A camada superior morreu devido à luz solar e formou uma concha resistente, protegendo as camadas inferiores.
Pesquisadores europeus das áreas de computação, biologia e arquitetura [2] vão um pouco além. Eles propõem desenvolver um substrato estrutural usando micélio fúngico vivo, juntamente com nanopartículas e polímeros para fazer uma eletrônica à base de micélio. “As redes de micélio serão computacionalmente ativas, dando origem a funcionalidades inteiramente novas fundadas biologicamente para artefatos e materiais arquitetônicos, como autorregulação, adaptação, tomada de decisão, crescimento e reparo autônomo - adicionando novas vantagens e valor aos artefatos arquitetônicos e o meio ambiente, e fornecendo um paradigma radicalmente alternativo ao estado da arte em 'edifícios inteligentes' que dependem fortemente de infraestruturas técnicas.”
Embora possamos reunir alguns exemplos de iniciativas em um artigo, o uso do micélio ainda está tateando a superfície. Os artigos científicos sobre o tema quase sempre concluem com uma afirmação: É necessário pesquisar muito e realizar experimentos com o material para que ele possa ter a eficiência, competitividade e um controle de qualidade industrial para seu uso massificado. Mas todos os pesquisadores também concordam que há um enorme potencial no material nas mais diversas áreas. O micélio representa uma mudança de paradigma na forma como abordamos a obtenção, o uso e o descarte dos materiais de construção. Sendo 100% biodegradável, encontrado em abundância no planeta, e “cultivado” a partir de resíduos, alcançando ótimas características funcionais, os materiais à base de micélio têm um potencial enorme, ainda inexplorado. Mas, acima de tudo, o micélio também prova que grandes inovações não requerem, necessariamente, novos materiais tecnológicos ou complexos. Elas podem estar mais próximo que imaginamos.
Notas
[1] Yangang Xing, Matthew Brewer, Hoda El-Gharabawy, Gareth Griffith and Phil Jones. Growing and testing mycelium bricks as building insulation materials. Earth and Environmental Science 121 (2018)
[2] Andrew Adamatzky, Phil Ayres, Gianluca Belotti, and Han Wösten. Fungal architecture. arXiv:1912.13262
Fonte: