(Foto: Caos Planejado/Reprodução)
As
guerras e a evolução tecnológica impuseram às cidades enormes desafios para
garantir sua segurança contra ataques e invasões inimigas ao longo do tempo, exigindo
mudanças e adaptações que moldaram nossas cidades.
Quando ainda éramos nômades, travávamos nossas primeiras
batalhas com paus e pedras. As
causas podem ser diversas quando se trata de agredir membros da mesma espécie,
desde a obtenção de recursos, território, vingança ou mesmo poder. As batalhas
entre tribos distintas acompanharam o ser humano em sua evolução na terra.
Desde a criação das cidades, a guerra e
os equipamentos de combate utilizados em cada período foram importantes
instrumentos a serem considerados durante o planejamento do centro urbano.
A muralha
como instrumento de defesa
Quando nos tornamos sedentários, precisamos nos preocupar
em armazenar o excedente de alimentos, especialmente grãos — como o trigo —
para os tempos difíceis. Junto a esta necessidade, nós, humanos, precisamos
criar mecanismos de defesa para
proteger a colheita armazenada. Afinal, para fazer a colheita do trigo,
estima-se um tempo de 120 dias. Para roubá-la, uma noite. Por conta desta
facilidade, a quantidade de tribos saqueadoras ao longo da história, como os vikings, sempre foi relevante.
Embora seja controverso, segundo muitos historiadores, a
primeira cidade conhecida é Jericó,
localizada a 27 km da atual cidade de Jerusalém. Em Jericó, as muralhas eram feitas de pedras, material muito vasto
na região e que até hoje utilizado nas construções locais, sendo a relação da
muralha com o papel defensivo até mesmo descrito em passagens da Bíblia.
Como se repetiu em diversas outras cidades até a Idade
Moderna, as muralhas eram não apenas o principal instrumento de defesa do assentamento
urbano, responsável por separar a cidade do mundo externo e de invasores, mas
também a principal obra de
infraestrutura de uma cidade. Elas poderiam ser feitas de diversos
materiais (madeira, pedra, barro batido), variando com a disponibilidade destes
para a cidade. Levavam anos para serem
construídas e, quando prontas, limitariam o tamanho do espaço urbano até a
sua próxima expansão, sendo a evolução dos muros
de Paris desde o século IV exemplo disso.
Em Jericó, as muralhas eram feitas de pedras, material muito vasto na região e que até hoje é utilizado nas construções locais. (Foto: WBChan/Flickr - Caos Planejado/Reprodução)
A maioria das cidades surgiu à beira de rios, necessários para realizar o transporte de
mercadorias de forma mais econômica, além de servir para abastecer as
necessidades da população local e plantações. Isso se tornou um problema para a
defesa de muitas cidades, como a Babilônia,
que foi invadida pelo Rio Eufrates durante um feriado do Império. Essa
fragilidade levou a construção e elaboração de estratégias de cerco, sendo o Império Romano o mais bem-sucedido
império da antiguidade nessa arte, vencendo por muitas vezes as muralhas de
cidades inimigas.
Os
cercos romanos
Embora o Império Romano apresentasse uma clara
pré-disposição à conquista, a maioria de seus inimigos resistiram bravamente.
Para acelerar o avanço a novos territórios e populações, Roma aperfeiçoou o seu
exército e as estratégias militares — incluindo o cerco. Para isso, utilizou
armas como aríetes, catapultas e torres
de cerco.
Catapulta romana, em exposição no Castelo Sant’Angelo, Roma. (Foto: Gary Todd/Flickr - Caos Planejado/Reprodução)
A capacidade da Engenharia
Militar romana se destacava. Eram capazes de isolar uma cidade cercando-a,
impedindo fugas e furo do bloqueio. Os nativos do centro urbano a ser dominados
não tinham como ter contato com o mundo exterior para pedir ajuda ou mesmo
buscar mantimentos para civis e para o exército. Com o tempo, a cidade ficava
enfraquecida, sem alimento e água. Seus habitantes eram então forçados a se render (como no caso de
Alesia e Numância) ou sofriam o ataque final (como no caso de Jerusalém).
Talvez uma exceção, o exemplo que se destaca na Europa é o
caso da Inglaterra que, por estar
isolada em ilhas tinha um território unificado e relativamente pacífico após o
período medieval, teve poucas muralhas construídas a partir do século XIII.
Apesar da evolução das tecnologias militares, as muralhas ainda foram
utilizadas como principal instrumento de defesa por pelo menos mil anos após a
queda do Império Romano do Ocidente, quando um acontecimento histórico colocou
em cheque a utilização das muralhas: a
queda de Constantinopla.
A
queda de Constantinopla
Constantinopla foi uma das mais
magnéticas cidades da história. Era uma cidade genuinamente romana no que
diz respeito às suas edificações e representava a ligação entre Oriente e Ocidente, e, por vezes, a mistura entre
ambos. A riqueza proporcionada pelo comércio, potencializado pela localização
privilegiada da cidade, postada estrategicamente entre o “mundo ocidental” e o
“mundo oriental”. Era, portanto, o local onde os Europeus buscavam as
mercadorias e especiarias do oriente. A cidade preservou a cultura romana
durante toda a Idade Média e ostentou até a sua queda a riqueza e imponência do
maior império da antiguidade, perdida no obscurantismo da Idade Média na Europa
ocidental.
Istambul, antiga Constantinopla, é a única cidade no mundo localizada em dois continentes diferentes, europeu e asiático. (Foto: Anna/Unsplash - Caos Planejado/Reprodução)
Se você tivesse uma máquina do tempo e viajasse para os
anos 1400, se impressionaria com a grandiosidade da segunda Roma. Era uma grande e próspera metrópole
quando Paris ainda era um amontoado de construções malfeitas, sem sistema de
esgoto, repleta de ratos e pedintes, como Victor Hugo a descreve em
“Corcunda de Notre-Dame”. Para preservar a integridade da cidade e do império,
tendo em vista que a cidade era muito visada por estar localizada em uma zona
de transição, o centro urbano foi cercado por suntuosas muralhas, que preservaram a vida romana no oriente por
quase mil anos após a queda de Roma — até a tomada da cidade pelo exército
turco-otomano, em 1453.
O certo é que a descoberta
da pólvora e a utilização dos canhões mostrou aos Engenheiros Militares que
as muralhas não eram mais um instrumento tão importante do que foram ao longo
de toda a história. Agora elas podiam ser facilmente vencidas pelos canhões de
guerra. Mas o que foi um problema resolveu outra questão que as cidades
enfrentavam desde que foram inventadas: elas
agora podiam crescer para além das muralhas. Antes, elas delimitavam
geograficamente o tamanho da cidade. Se era preciso crescer, uma nova muralha
precisaria ser construída. Agora que as muralhas não eram mais tão eficientes,
não fazia mais sentido limitar o crescimento
urbano em um perímetro previamente estabelecido.
Cidade
Alta e Cidade Baixa no Brasil colonial
As nossas cidades coloniais também foram feitas para evitar
invasões, comuns na época do descobrimento do cobiçado novo mundo. A distinção
entre Cidade Alta e Cidade Baixa era uma herança lusitana. Ao alto, ficavam os fortes e edificações mais importantes, como a
casa de câmara e cadeia. Abaixo, os
comércios e portos, que aproveitavam a proximidade dos portos para escoar
produtos para à metrópole e receber os do interior do país, assim como de
outras cidades do litoral.
As ruas estreitas
das cidades, além de representar uma herança cultural do urbanismo lusitano, criava verdadeiras armadilhas para os
invasores. Nos pontos elevados, tínhamos os
fortes, com ampla visão para o oceano e a chegada de possíveis invasores.
Entre as cidades coloniais brasileiras que utilizavam destes mecanismos de
defesa, podemos citar São Luís,
cujas características ainda podem ser muito bem observados por qualquer um que
a visite. Outras cidades também foram divididas entre cidade alta e baixa, como
Olinda e Salvador, seguindo as diretrizes urbanas dos conquistadores.
A
Paris de Haussmann
Além de proteger a cidade, seus habitantes e —
principalmente — suas elites de invasores estrangeiros, muitos elementos e estratégias de planejamento
urbano foram utilizadas para controle militar da sua própria população. O
exemplo mais marcante é a remodelação da cidade de Paris, de Haussmann.
Representação de Paris no século XIX, pintado por Camille Pissarro, 1898. (Imagem: Wikipedia - Caos Planejado/Reprodução)
No século XIX, Paris ainda era uma cidade de desenho
medieval, com suas ruas estreitas, tortas e as construções desajeitadas fazendo
limite a estas ruas. No barril de pólvora que a França se tornou desde a Revolução
Francesa, as ruas estreitas se tornaram
perfeitas para as barricadas, estilo de guerrilha muito adotada por
radicais francesas desde o século XVIII.
Para resolver o problema, Napoleão III contratou
Georges-Eugène Haussmann, político e administrador francês, para elaborar um plano de remodelação da cidade de Paris.
Evidentemente, outras causas foram apontadas como a causa para o projeto, como levar à cidade maior racionalidade,
salubridade, higienização, circulação e elegância.
Paris foi então quase que completamente remodelada. Vias foram abertas e alargadas e deram
espaços aos famosos bulevares. Cortiços foram demolidos. E quase toda a
Paris medieval foi apagada, com exceção de poucas construções, como é o caso da
grande catedral gótica de Notre-Dame. A
remodelação da cidade de Paris serviu de modelo para intervenções urbanas em várias cidades do mundo e no Brasil — com
destaque para a até então Capital Federal, Rio
de Janeiro.
Cidades
à prova de bombas e o caso de Israel
Após Constantinopla, as muralhas deixaram gradativamente de
serem utilizadas para defesa. As cidades
cresceram para além delas, aproveitando o crescimento econômico e
populacional que se seguiu durante a Idade Moderna e Idade Contemporânea, que
foi possível graças às descobertas científicas e maior interação entre os
povos. Mas as guerras continuaram e as cidades ainda precisavam se defender.
Apesar das muralhas não serem mais tão eficientes, fortificações, bunkers e artilharias passaram a ser utilizadas como
instrumentos de defesa.
Durante as guerras do século XX, os bunkers subterrâneos foram os mais utilizados, embora eles sejam
escassos. Os
metrôs, como em Londres, por estarem localizados abaixo do solo, eram
os locais mais seguros, e acabaram funcionando como bunkers. Ainda assim, a
cidade, acima, sofria grandes danos. Durante a Guerra Fria, cidades,
alimentadas pelo medo de uma guerra nuclear, construíram abrigos antinucleares para proteger pessoas da radiação e dos
impactos dessas armas. Pyongyang, capital da Coreia do Norte, possui um metrô
com 110 metros de profundidade, que poderia ser utilizado como abrigo nuclear
em caso de ataques.
Israel
é um minúsculo país localizado no Oriente Médio. Criado em 1948, o país contava
com uma minoria judia em uma área majoritariamente árabe. Ao longo de diversos
conflitos e guerras, as cidades do novo país se moldaram conforme os conflitos
se arrastaram, seja com a construção de bunkers, ou com a segregação entre
palestinos e israelenses inclusive através
de políticas urbanas.
O
terrorismo e a violência contemporânea
Embora as guerras ainda existam, elas estão cada vez menos
numerosas. Permanecem com alguma relevância na África e no Oriente Médio, mas,
ainda assim, em uma escala abaixo do que ocorreu nos séculos passados. Contudo,
a ameaça crescente que impacta nas nossas cidades é a do terrorismo.
Em 2001, o mundo entrou em choque com a queda das torres
gêmeas (World Trade Center). Como o nome da edificação — que consistia em duas
torres — sugere, o complexo tinha como objetivo concentrar escritórios
financeiros globais. A
construção dos prédios marcou o renascimento de Nova York nos anos 1970.
Todavia, na manhã de 11 de setembro, tudo ruiu quando dois aviões comerciais
sequestrados colocaram tudo abaixo. Para prevenir novos ataques, torres
construídas após o atentado apresentam tecnologia
para resistir a grandes impactos.
Ao centro, One World Trade Center, edifício construído após a queda das torres gêmeas. (Foto: Sabrina B/Pixabay - Caos Planejado/Reprodução)
Memorial do 11 de Setembro, homenagem às vítimas do atentado de 2001, inaugurado em 11 de setembro de 2011. (Foto: Foundry Co/Pixabay - Caos Planejado/Reprodução)
Nos últimos anos, ocorreram ainda ataques que utilizaram
automóveis para invadir calçadas, atropelando dezenas de pessoas. Cidades
turísticas, como Paris, anunciam medidas para prevenir atentados terroristas em
seus pontos mais visados, como cercando
a Torre Eiffel que, até recentemente, deslumbrava o mundo com um dos
espaços públicos mais impressionantes ao redor da sua base. Paris, assim como
outras cidades europeias, também removeram
grande parte das latas de lixo das ruas a partir dos anos 1990, ou as
substituíram por sacolas transparentes
para poder ver eventuais objetos escondidos. Este também foi um dos motivos
para a eliminação de quase todas as
latas de lixo em espaços públicos em cidades japonesas, efeito que se
seguiu após ataques com gás sarin no metrô de Tóquio em 1995.
As guerras impuseram aos construtores enormes desafios,
preparando edificações e cidades para se
proteger de ataques e invasões inimigas. Atualmente, o terrorismo é o
principal receio de grandes cidades globais. No Brasil, a ameaça do terrorismo
se manifesta de forma diferente de outros países, com nossa Arquitetura
e Urbanismo sofrendo influências da violência urbana, como na
multiplicação dos condomínios murados ou
fortificados. Mas não sem efeitos colaterais, pois estes enclaves, voltados
para si também geram inúmeros problemas urbanos.
O principal desafio de nossos Planejadores Urbanos e Arquitetos é pensar soluções que sejam funcionais, humanas e seguras ao mesmo tempo, integrando a cidade e protegendo o interesse dos usuários de determinado espaço.
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